O vilarejo de Sintra fica a um trem de distância de Lisboa. Ou melhor, um comboio, como aqui eles chamam. Essa viagem me abriu os olhos pra África que aqui está presente. Sim, porque é por esse trajeto de subúrbios de Lisboa que se vê muitos deles apressando-se para cumprir seus afazeres. É um trajeto de trinta minutos que me fez pensar muito.
Refletir sobre o funcionamento das grandes cidades e como elas são praticamente iguais no mundo todo: o centro e a periferia. Os que ostentam e os que sustentam. Os que correm e os que apreciam a vista. Os que falam o português correto e àqueles que falam dialetos. Do outro lado do oceano, ainda temos dois pesos e duas medidas. Só que aqui, os negros são africanos, estrangeiros explorados, isolados e necessários. São eles que estão nos cargos de limpeza, reposição nos supermercados, caixas. Mas também são eles que riem, que cantam, que se divertem com seu próprio tempo. São eles que me fazem lembrar o Brasil, a descontração de ser. A alegria de não ter nada, mas ao mesmo tempo estar com os outros. Me senti saudosa do nosso povo, e ao mesmo tempo muito instigada a com eles desenvolver algum trabalho. Aprender suas línguas, suas maneiras, seus costumes. Acho que por conta da proximidade/influência na nossa própria formação.
Mas, foi ao chegar em Sintra que me deparei com uma grande descoberta. Um sítio arqueológico da história política e cultural do povo português. Um vilarejo que atrai turistas e revela a grandiosidade do império português da época das explorações além mar.
A cidadela é no meio de um vale. Onde pode-se visitar cinco diferentes lugares em diferentes estágios de conservação: Castelo dos Mouros, Convento dos Capuchos, Parque e Palácio de Monserrate e Parque, Quinta da Regaleira e Palácio da Pena. Eu tive que optar por dois deles, e comecei visitando o Parque da Pena. Ali, viveram, por quatro gerações, uma das famílias que controlava o comércio têxtil (de 1820-1930). Buscando o melhor do seu tempo, com o auxílio de botânicos reflorestou toda a área com plantas nativas do mundo todo, que ele trazia das expedições que lhe davam o dinheiro para tanto luxo. O jardim é finamente ornamentado, com árvores de mais de 20m de altura, e hoje apresenta algumas construções tomadas pela natureza. Em estilo romântico, sua casa era finamente decorada, do chão ao teto. Além de moderno, pois ali já haviam todas as ligações de energia e calefação necessárias para uma vida tranquila de sua família (antes mesmo de outros castelos da região o terem).
Infelizmente, esta propriedade ficou abandonada após a derrocada da família, que a vendeu a investidores privados, que por sua vez venderam os móveis, obras de arte e que, já estavam loteando a propriedade para vendê-la aos pedaços. O governo português então interviu. Arrematou a propriedade e a deixou fechada, apodrecendo. Cinquenta anos depois, com as leis de incentivo e investimentos estrangeiros, a área começou a ser restaurada. Hoje a visitação está aberta em algumas partes internas. Ao sair, para minha surpresa, uma moça me convida para uma palestra que ali aconteceria: sobre a biodiversidade da região e os cogumelos ali presentes, os quais eu já havia visto no jardim. Meu tempo era escasso, então, como disse a portuguesinha “nada de cogumelos?” … “infelizmente tenho pouco tempo, e minha viagem ao passado português deve continuar”.
Sigo então para a Regaleira. Uma propriedade espetacularmente ornamentada. O sr. Carvalho Monteiro era no mínimo excêntrico, e muito influente. Um local para festas e ocasiões especiais. Ao adentrar a propriedade, percebe-se que não era simplesmente diversão que ali ocorria. Algumas das construções refletem seu real uso: a política. Há um local onde se faziam reuniões. Diversas construções se conectam no que dizem ser “a passagem” para que os novos membros entrassem na rede de relações dos maçons.
O que mais chama a atenção é a Torre Invertida, que se afunda cerca de 27m no interior da Terra, com acesso através de uma monumental escadaria em espiral. Toda construída com base na numerologia (múltiplos de 3, e totalizando equações na base do 9, número perfeito para os maçons). Dizem que por ali entravam os novos membros, e que sozinhos, deveriam chegar à saída, passando por túneis, labirintos de pedras e finalmente passando por cima de um lago (como na Ilíada) sob pedras que poderiam afundar a qualquer mau passo. O caminho? Sempre a direita, pois esse é o lado correto e do bom caminhante.
O Castelo encontra-se muito bem consevado, e pode-se visita-lo tanto andando, quanto vendo as imagens em uma tela como um video-game, incrível. Em sua torre principal, um laboratório de alquimia. A vista é sensacional, da propriedade e da região.
Depois ainda sobrou energia pra pegar um ônibus que me levaria a Cascais, um balneário de veleiros. Por sorte ocorria naquela noite uma grande festa cultural, com vários palcos espalhados pelas ruelas de pedras e antigas construções. Desde o brasileiro samba com mulatas, até DJ’s e apresentações de teatro de rua, arte circense e ao final, um espetáculo simples mas belo demais: sobre a costa, com veleiros no mar escuro da noite, os organizadores enviavam aos céus pequenos “balões” com fogo. E ali, olhando aquele belo espetáculo me lembrei de como são importantes nossas ações como Coletivo de levar a arte às ruas da cidade. Infelizmente, a essa altura, as pilhas da máquina já não respondiam, e eu, também precisando recarregar as forças, fui-me deliciar com uma especiaria da culinária portuguesa: bacalhau com natas. Final de semana de conto de fadas pra começar a conhecer Portugal.
*em breve:: primeiras impressões de Lisboa e minha adaptação às mudanças