A França, por sua forte história política e social sempre esteve no imaginário de muitos de nós. Confesso que no meu esse país tinha um espaço especial. Quando tive a oportunidade de escolher um novo país para morar na Europa, essa foi minha opção. Mas em outro momento explico melhor tudo isso, agora quero falar de outra coisa.
Do dia 11 de setembro. Dia fatídico no qual eu tive que virar as costas e seguir meu caminho. Tive que suportar por alguns segundos a vontade de voltar, mas tinha que ir. Tinha que aqui estar, porque talvez aqui seja o palco privilegiado para viver o momento histórico pelo qual a Europa, e o mundo, passam.
Confesso que neste dia estava apreensiva. A bomba do meu onze de setembro era, aparentemente, meus pais voltarem para o Brasil, e eu, seguir para minha nova casa em Lille. Mas o dia reservava muito mais do que lágrimas de despedida. Como boa (nova) francesa, acordei no hotel em Paris e logo fui buscar uma baguete. Mas tudo estava uma confusão, não haviam baguetes!
Para meu espanto, a confusão era por conta de um evento esportivo – uma corrida. Mas ao caminhar pelo parque que leva até a Torre Eifell, encontrei uma moto incendiada. Pois eu sabia, que teriam havido manifestações na noite anterior. Nada de surpreendende, já que a dois dias o governo francês instalava uma homenagem aos dez anos do “maior atentado da história”.
Bom, dez anos depois eu pude sentir o 11 de setembro, ou o porque ele não é esquecido. E conto-lhes, pra isso, minha última aventura na sexta à noite.
Sexta é sexta né, então como boa festeira saí das aulas e fui para o bar da faculdade, de lá seguimos para o centro de Lille, onde vários bares animam a noite da cidade universitária. Devo dizer-lhes que Lille é uma cidade multicultural, conta com uns miles estudantes, muitos intercambistas do Erasmus, portanto, muito estrangeiro de todos os lados.
Todas as ruas e bares estavam cheios, francês por todos os lados, eu meio bêbada, já me sentia um pouco confusa. Na porta da primeira discoteca-bar o segurança nos olhou e disse que não poderíamos entrar, “é um bar privado” disse, apontando para uma placa, “vocês precisavam enviar um email com nomes para a lista”. Sem pensar, lhe perguntei se aquilo era verdade, e o outro rapaz da porta já ria para mim, indicação de que algo de errado acontecia.
Meu amigo, um tunisiano com traços marcantes, me levou a segunda tentativa. Um segurança negro nos barrou novamente, dizendo que não poderíamos entrar. Ao questionamos se era porque o tunisiano era Africano, a resposta do enorme (africano) segurança foi que aquilo era uma ofensa. No terceiro e último bar, a mesma coisa aconteceu e minhas perguntas não eram mais respondidas. O problema não é ser Africano, é ser arabe.
Digo-lhes que naquele momento, só podia tentar dizer a alguns franceses que passavam com seu característico blazê que aquilo era decepcionante. Decepçionante, mas esperado. Tenho certeza que eu estava mais brava com a situação que o próprio tunisiano, já acostumado com o tratamento.
A bela “ville des fleurs” caiu aos pedaços. Apesar de a todo momento ver mulheres com o véu ou a burca, apesar de morar em frente a uma igreja muçulmana, apesar de tanta multiculturalidade, apesar da amável maneira como os franceses me tratam …. muchou meu entusiasmo, e mesmo regando com vinho sinto-me estranha.
Decidi olhar melhor para essa tal multi.culturalidade.
Primeiramente gostaria de diferenciar o momento histórico desta miscigenação. Ao contrário do povo brasileiro, que se formou na mistura, a Europa se formou nas divisões. E de alguma maneira elas têm se acentuado com a atual crise.
Formam-se cada vez mais quartiers de cada uma das nacionalidades aqui presentes. As periferias são recheadas de supermercados ou igrejas advindas juntamente com as diferentes culturas. E neste momento, ao contrário do passado, as pessoas que imigram para a Europa, mantém suas caracteristicas culturais, deixando a mostra uma ruptura na sociedade francesa[européia]. Percebo cada vez mais esta diferença entre a imigração dos anos 80-90 para a do momento atual.
Felizmente, nosso país é respeitado cada vez mais. Admirado, é alvo de curiosidade. Aqui, confesso, ainda mais que em Portugal. Talvez exatamente pelo fato de que, aqui, poucos brasileiros vieram tentar a vida de imigrante, ao contrário de Lisboa, ou talvez Paris.
Apesar de ser bem recebida e de não ter problemas de pre-conceitos (até porque aparentemente, sou européia), algumas vezes o senso de humor frances passa do aceitável e torna-se preconceituoso. É o caso, por exemplo, de um rapaz que, numa agradável noite com amigos, vira-se pra mim e diz “que o brasil não compartilha do espaço schengen” (territórios comuns da UE, com transito livre de pessoas). E por isso fico fora da roda.
Ou quando referem-se aos “povos do leste” de maneira não tão simpática. Mas eu voltarei aos leste-europeu em outro momento. A mistura é estimulada pelos vários programas de fomento ao “sentimento e entendimento europeu”, mas ainda está muito longe de ser o que é o nosso mexido-bem-brasileiro. Eles continuam nos invejando por isso, e por muito mais. E nós, continuamos aqui, tentando entender um pouco dos seres-franceses.